Olhei a minha rua com olhos de ver...e não gostei do que vi! Comecei de mansinho, pela fresta da janela, na estranheza do silêncio face à hora...Então e o costumeiro ronronar morno dos muitos carros, na diária luta de aceder à grande via de acesso à capital? Então e o entra e sai dos camiões da famosa empresa de decoração e materiais de construção do passeio da frente?Percebo de repente que já há algum tempo o trânsito diminuiu na minha rua porque menos levam agora o carro para Lisboa...e lembrei-me de que ontem me contaram que a tal empresa está falida e vai fechar...!
Desço à rua e dou comigo a calcorreá-la de olhos baixos, postos no chão...na mercearia do pequeno largo carregam-se as últimas coisas, já não reabre amanhã, na tabacaria
ao lado desmonta-se a montra ainda ontem colorida, atrevida, brincalhona na sua
forma de expor...acabou-se o sonho! No cabeleireiro da esquina fuma-se à
porta...esperando quem não chega...no do final da rua as funcionárias
penteiam-se umas às outras à vez...! Na loja de roupa em frente, fazem-se
saldos ao desbarato, com a cor gritante dos cartazes a esconder o
desespero...abriu em Novembro passado...clientes nem vê-los! O restaurante
italiano de decoração cuidada, fechou em Janeiro, e o cartaz de arrendamento, baloiçando na porta, contrasta com a alegria quase arrogante da loja de noivas
que abriu a semana passada e resplandece ainda de esperança contrastando com o
sentimento da rua...!
Entro na papelaria e reparo nas prateleiras meio
vazias...procuro e não encontro...atrevo-me a perguntar o que já adivinho...! «
Então dona L. Como vão as coisas?». Os olhos respondem primeiro...desalentados,
temerosos...« Mal...muito mal...não sei quanto tempo nos aguentaremos mais...».
Saio para a rua...já não estou deprimida ou
desanimada...agora estou furiosa...Com foi possível...como é possível...o que
fizeram à minha rua ...??? Sim sei que mesmo decadente e moribunda a minha rua está
a anos luz das maiores dificuldades por que passam atualmente muitos e muitos
portugueses...não o esqueço...é impossível esquecê-lo...e urge combatê-lo!
Mas o país está também na minha rua ...nota-se...nota-se
muito...vai notar-se mais!
Sim vivo num bairro de classe média e encontro-me em vias de
extinção!
Vou zangada...mas já volto!
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